Prêmios de literatura infantojuvenil: para que servem e como funcionam?

18/01/2021

Se você está procurando um bom livro para ler com uma criança, um caminho interessante é examinar as listas de vencedores dos principais prêmios de literatura infantojuvenil. Prêmio Hans Christian Andersen, Prêmio BolognaRagazzi, Prêmio Memorial Astrid Lindgren (ALMA), Catálogo White Ravens, Prêmio Jabuti, Prêmio FNLIJ, Selo Cátedra 10, Prêmio Literário Biblioteca Nacional... ufa! São muitos os prêmios literários existentes no Brasil e no mundo. Mas o que os torna tão especiais? E como os livros, autores e ilustradores são escolhidos como os melhores, diante de tanta opção boa?

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Juradas avaliam seleção de livros na Feira de Bolonha. Imagem: BCBF

Para começar, com inúmeras novas publicações a cada ano e a quase inexistente crítica especializada na imprensa, esses prêmios ajudam a direcionar os leitores e os mediadores de leitura para o que tem sido produzido de bom. Funcionam como um guia, uma referência para a seleção das obras a serem lidas e trabalhadas.

“Um livro premiado recebe um reconhecimento de sua qualidade, e acredito que isso contribua para sua divulgação e para instigar o leitor”, afirma Denise Ramalho, coordenadora do Selo Cátedra 10. Os prêmios “colocam em evidência livros, autores, ilustradores que talvez não tivessem a possibilidade de serem vistos e reconhecidos”, completa Dolores Prades, diretora do Instituto Emília e publisher da Revista Emília.

É, portanto, uma exposição muito importante para autores estreantes. Além disso, as recompensas em dinheiro (quando há) possibilitam que o autor e/ou ilustrador possa se dedicar exclusivamente à carreira literária (realidade ainda de poucos, infelizmente).

O montante mais significativo é oferecido pelo prêmio ALMA (Astrid Lindgren Memorial Award) com sua recompensa extraordinária de 5 milhões de coroas suecas (equivalente a 500 mil euros ou mais de R$ 3 milhões!). Esse é um dos maiores prêmios da literatura infantojuvenil no mundo, concedido anualmente pelo governo sueco. Do Brasil, Lygia Bojunga é a única autora que já recebeu o prêmio, e o ilustrador Roger Mello é um dos finalistas deste ano.

Mas os objetivos das premiações nem sempre são de contemplar os vencedores com dinheiro. Cada prêmio tem suas particularidades, critérios de seleção e finalidades específicas.

O Prêmio Hans Christian Andersen, por exemplo, é considerado o Nobel da literatura infantil, o principal reconhecimento internacional dado a um autor e ilustrador de livros para crianças e jovens. É concedido a cada dois anos pela International Board on Books for Young People (IBBY) a um escritor e a um ilustrador cujas obras tenham importantes e duradouras contribuições literárias, como as do próprio Hans Christian Andersen, o autor homenageado. Os vencedores são anunciados no primeiro dia da importante Feira do Livro Infantil de Bolonha, na Itália, e recebem uma medalha de ouro da rainha da Dinamarca, Margarida II. As escritoras Lygia Bojunga e Ana Maria Machado e o ilustrador Roger Mello são os brasileiros já contemplados com o Andersen.

Ainda no âmbito internacional, o BolognaRagazzi Award (BRAW) é o principal prêmio da Feira de Bolonha e um dos mais conceituados do mundo. Além do reconhecimento editorial, ganhar esse prestigioso prêmio ou uma das menções honrosas é uma grande oportunidade de negócios no mercado internacional. Os parâmetros de julgamento mais relevantes são a qualidade do projeto gráfico da obra, sua força inovadora e a capacidade de diálogo com os jovens leitores.

O Catálogo White Ravens é elaborado anualmente pela Internationale Jugendbibliothek (IJB), a maior biblioteca de literatura infantil e juvenil do mundo, localizada em Munique, na Alemanha. É composto pela seleção de 200 lançamentos de mais de 50 países em mais de 30 idiomas, que merecem atenção por seus temas universais e/ou estilo e design artístico e literário excepcionais e inovadores. O catálogo é divulgado na exposição White Ravens, que também acontece na Feira de Bolonha.

Capa do catálogo White Raven de 2020: Nós - uma antologia de literatura indígena, da Letrinhas, é um dos cinco livros brasileiros selecionados no ano passado

Há ainda os prêmios da Bienal de Ilustrações de Bratislava, uma exposição realizada em anos ímpares pela Bibiana, a Casa Internacional de Arte para Crianças da Eslováquia, com a IBBY e a Unesco. Um júri internacional composto de seis a doze especialistas (editores, ilustradores, acadêmicos, bibliotecários) de vários continentes analisa o trabalho original de ilustradores de todo o mundo. O Grand Prix BIB é o prêmio principal, mas também são concedidas as BIB Plaques e as BIB Golden Apples. Guilherme Karsten (autor de Carona, da Letrinhas) recebeu uma BIB Plaque na edição de 2019.

Nos Estados Unidos, a Medalha Caldecott é uma das principais premiações concedidas a ilustradores americanos anualmente. A medalha de bronze que homenageia o ilustrador britânico Randolph Caldecott (1846-86) é entregue pela seção infantil da American Library Association desde 1937 e contempla o criador do livro infantil ilustrado de maior destaque publicado no país no ano anterior. Nomes como Maurice Sendak, Jon Klassen e William Steig (com Silvester e a pedrinha mágica, da Letrinhas) são alguns dos artistas que já foram condecorados com a medalha.

A indicação dos autores e ilustradores brasileiros ao Hans Christian Andersen e dos lançamentos ao White Ravens são feitas pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), uma das mais importantes instituições de literatura no país, que atua também como a seção brasileira da IBBY. Além disso, todo ano a FNLIJ seleciona os dez melhores livros de cada categoria do seu acervo básico para compor sua seleção de títulos Altamente Recomendáveis, um selo que funciona como importante instrumento para secretarias de educação e bibliotecas. A instituição também concede o Prêmio FNLIJ – O Melhor para Criança, que conta hoje com 18 categorias.

O Prêmio Jabuti, com seus mais de 60 anos, é o mais tradicional do país e seria o equivalente ao Oscar da literatura brasileira. Dentre as diversas categorias contempladas, estão Infantil, Juvenil e Ilustração (em 2020, o vencedor do Jabuti na categoria infantil foi o livro da Letrinhas Da minha janela, de Otávio Jr). Já o Prêmio Literário Biblioteca Nacional acontece desde 1994 e contempla as categorias Infantil e Juvenil.

Outro prêmio que vale destacar é o Selo Cátedra 10, da Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio. Novato no mercado editorial brasileiro, criado em 2016, o Selo está se firmando como um dos mais importantes do país. Os parâmetros de seleção levam em conta texto, ilustração e projeto gráfico das obras, considerando fatores como temáticas inovadoras, criatividade, tradução das adaptações e o papel da imagem nos livros ilustrados. “Não fazemos um destaque especial para premiar ilustradores uma vez que, na nossa concepção, a obra se concretiza para o leitor no seu conjunto, portanto, escritores e ilustradores são autores do livro”, afirma Denise Ramalho.

Para conhecer outros prêmios de literatura infantojuvenis, confira o post Radiografia de prêmios literários.

 

A subjetividade nos prêmios literários

Os critérios de seleção das obras vencedoras, portanto, vão depender das propostas de cada premiação. No entanto, há alguns aspectos importantes para entender o funcionamento dos prêmios, segundo Dolores Prades. O primeiro é o papel da subjetividade a partir de concepções particulares (de infância, leitura, literatura, mundo) de cada um dos jurados e a consequente configuração do júri de cada prêmio. Ou seja, as preferências dos jurados e a forma como o júri é composto são decisivas para o resultado.

O segundo é entender que toda escolha se dá em comparação com o conjunto dos candidatos. “É um processo eliminatório, e essa escolha sempre se dá em relação a outro”, afirma Dolores, que foi jurada em 2016 dos prêmios Hans Christian Andersen e BolognaRagazzi. “Isto não quer dizer que não existam critérios ‘objetivos’ comuns. Claro que existem, e sempre são a pauta que rege a discussão, mas permeada por outros critérios que dependem da visão específica de cada um dos jurados. Isto ficou absolutamente claro para mim depois destas duas experiências”, conta.

A decisão a respeito de quem entra e quem fica de fora em uma premiação, portanto, além de subjetiva, pode ser uma tarefa árdua para os jurados. “A dificuldade maior é quando, no final, ficam concorrentes com traços de qualidade muito semelhantes. Aí o que vence é a argumentação dos jurados, de acordo com as preferências e critérios de cada um. Mas é muito, muito difícil”, diz Dolores.

Denise Ramalho concorda: “É sempre um processo difícil, no sentido de que temos que estabelecer um limite para a premiação. Mas como o trabalho é fruto de uma avaliação e debate conjuntos e com critérios já estabelecidos por todo o grupo, conseguimos chegar a um resultado que é sempre uma satisfação para todos que trabalham na seleção”.

No caso do Selo Cátedra 10, o júri é composto pelos doze pesquisadores que integram o Grupo de Estudos em Literatura Infantil e Juvenil (GELIJ), do qual Denise é coordenadora de pesquisa. Nesse período de pandemia, o grupo se reúne semanalmente pela internet, quando cada jurado compartilha suas resenhas dos livros em análise e o grupo debate em seguida. Na etapa final, os pesquisadores definem os títulos que receberão o Selo Seleção (até 30 livros) e o Selo Distinção (de 10 a 12 livros), além do autor agraciado com o Hours Concours.

Os jurados do Hans Christian Andersen, por outro lado, começam a receber dossiês e livros de cada autor com praticamente um ano de antecedência, enviados pelas IBBYs de cada país. Os critérios são estabelecidos previamente ao longo dos meses em um blog do júri, e os finalistas são escolhidos em três dias intensos de encontro e discussão dos jurados.

Já no BolognaRagazzi, o júri escolhido pela direção da Feira de Bolonha se reúne durante três dias e lá, sem nenhum trabalho prévio, escolhe os melhores do ano entre os muitos lançamentos das editoras que participam da feira. “A chegada ao local onde estão os livros não tem como não causar um impacto. São centenas de livros que precisam ser avaliados em três dias. Porém, por incrível que pareça, funciona, pois os critérios aqui são outros. E o que torna o jurado mais ou menos apto é o conhecimento que ele tenha do mercado – quanto maior, mais fácil fica a escolha”, conta Dolores.

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Novos olhares sobre a literatura infantojuvenil brasileira

Em 2018, houve muita polêmica em torno de mudanças no Prêmio Jabuti, que fundiu as categorias Infantil e Juvenil e excluiu a categoria Ilustração, incluindo-a numa premiação técnica que ignorava as diferenças entre ilustração técnica e aquela carregada de narrativas, característica da produção para crianças e jovens. A Câmara Brasileira do Livro (CBL), responsável pelo prêmio, voltou atrás, mas esse episódio reforçou questionamentos sobre o reconhecimento da literatura infantil e juvenil nos grandes prêmios literários brasileiros e sobre quais seriam as alternativas a eles.

“Faltam novos prêmios no Brasil que inovem nos critérios e na formação dos jurados, que acompanhem a produção à margem do mercado e dos seus critérios mais tradicionais”, afirma Dolores. Ela ressalta o valor das várias listas e seleções “dos melhores”, que muitas vezes têm um importante papel na promoção e difusão de títulos no mercado. Entre as principais, sobressaem os 30 Melhores Livros Infantis do Ano, da Revista Crescer, e os Destaques da Emília, da Revista Emília.

Segundo Dolores, as listas são uma forma de ampliar e democratizar visões e critérios de seleção para ampliar as escolhas dos mediadores. E quais seriam esses critérios? “Seriam basicamente trazer para a seleção olhares e vozes que normalmente não estiveram presentes como, por exemplo, mediadores da ponta que trabalham em bibliotecas comunitárias, romper com o olhar estritamente acadêmico. Não que este não seja importante, é, mas acho que precisamos ampliar o olhar. O cânone tradicional foi posto em questão e precisamos não perder isto de vista”, conclui.

(Reportagem e texto de Priscila Corrêa)

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