Por que os brinquedos não estruturados fazem tanto sucesso?

15/08/2022

Se você tem filhos ou convive com alguma criança, certamente, já viu variações do seguinte episódio: alguém chega com um presente incrível, caro, tecnológico, barulhento, um investimento daqueles. No entanto, quando o pequeno presenteado abre a embalagem, deixa o conteúdo para lá e se diverte mesmo é com a caixa ou o papel de embrulho. Objetos como plásticos, fitas, caixas de papelão e folhas de papéis, que, a princípio, não foram feitos para brincar, despertam muito interesse - e é perfeitamente justificável. Com um pouquinho de imaginação, eles se transformam em castelos, dobraduras, carrinhos, bolas futebol…

Essas brincadeiras não estruturadas permitem que a criança brinque de forma livre, o que muitas vezes não ocorre com brinquedos que já vêm com uma programação de como brincar. E isso faz total diferença no desenvolvimento infantil, especialmente no sentido do entendimento de mundo e na busca de soluções para as questões do dia a dia.

Ilustração de Dudu e o mundo de papel, de Stela Greco Loducca, sobre brincadeiras não estruturadas

Ilustração de Dudu e o mundo de papel, livro mais recente da trilogia do personagem, escrito por Stela Greco Loducca

A questão do brincar livre é tão importante que alguns livros trazem justamente essa temática. É o caso da trilogia do Dudu, personagem da autora Stela Greco Loducca, que está sempre às voltas com brinquedos não estruturados. Depois de Dudu e a caixa (2015) e Dudu e o plástico bolha (2018), o personagem agora se diverte em Dudu e o mundo de papel, todos publicados pela Companhia das Letrinhas. Inspirado no filho da autora (Gabo), o personagem Dudu vai soltando a imaginação e mostrando as infinitas possibilidades embutidas em papéis que, antes, só serviam para embrulhar alguns pacotes que o carteiro tinha acabado de entregar em sua casa. As folhas viram aviões, chapéus de soldado, barquinhos e até uma bola para jogar futebol.  

Outra coleção que brinca com os brinquedos não estruturados é a Objetos Brincantes, de Patricia Auerbach, com os livros O jornal (2012), O lenço (2013) e A garrafa (2018), todos pela Brinque-Book. A própria trilogia é um convite para a imaginação, pois trabalha com narrativas não fechadas, que não têm uma versão única e podem variar de interpretação a cada leitura. Em entrevista para o Blog da Brinque, em 2013, Patricia Auerbach explicou a magia desses não brinquedos: "Objetos simples são convites à imaginação. Nada contra brinquedos de pilha, bonecas que falam e andam, mas a verdade é que a boneca que fala e anda, vai ser sempre apenas uma boneca que fala e anda. Enquanto um pedaço de pano pode ser um universo inteiro de possibilidades incríveis".

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Capa do livro Dudu e o mundo de papel, de Stela Greco Loducca, que aborda brincadeiras não estruturadas

Por que elas preferem os objetos mais simples?

Afinal, por que esses materiais despertam tanto interesse nos pequenos? “A criança é uma cientista, uma exploradora, e, mais do que isso, é como um grande processador de informações que acontecem ao mesmo tempo”, explica Patrícia Camargo, especialista em desenvolvimento infantil pelo brincar e sócia da plataforma Tempojunto, ao lado de Patrícia Marinho. Essas informações são sensoriais, visuais, sonoras, ou seja, usam todos os sentidos que a criança tem. “É a partir daí que nos desenvolvemos, tanto na parte cerebral, como no físico e no emocional”, aponta ela. 

Tudo isso para dizer que com essas experiências, que acontecem a todo o momento, e com muita intensidade na brincadeira, vamos entendendo o mundo e elaborando soluções para as situações que aparecem.

Quando oferecemos à criança só as atividades dirigidas, que é quando já existem regras e um resultado esperado, ela só vai repetir o que já foi feito. Quando a brincadeira não é estruturada, não tem regra, não tem planejamento e, principalmente, não tem resultado esperado, permitimos que a criança dê vazão para suas próprias perguntas e encontre suas próprias respostas. (Patrícia Camargo, da Tempojunto) 

E a importância disso vai muito além da formação da criança, como indivíduo - o que, por si só, já é muito significante. “O mundo e a humanidade se desenvolvem justamente a partir da busca de respostas para perguntas que a gente ainda não fez”, lembra Patrícia. 

Dudu e o mundo de papel

Oferecer brinquedos prontos ou tentar programar o tempo todo atividades planejadas para os pequenos é uma maneira de os adultos mostrarem, muitas vezes, que acreditam que eles sabem o que é melhor para as crianças, na opinião do psiquiatra infantil e psicoterapeuta Wimer Bottura, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). “Se você for pesquisar, quantas profissões novas existem, a que os pais se opunham que as crianças seguissem? Quais são as profissões que as famílias tradicionais queriam para as mulheres? E, hoje, as mulheres conquistam o direito de executar todas as atividades que bem entenderem. Justamente porque foi contra algo que tentava ser imposto de cima para baixo”, compara ele. “A criança gosta daquilo que mais lhe atrai, ela vai atrás daquilo que é mais interessante para ela”, pontua. 

 

Os “não-brinquedos”

O que é, afinal, um brinquedo? E por que algumas coisas podem tão facilmente se transformar em brinquedos e entretenimento para os pequenos, quando não foram feitas para isso? “O brinquedo é tudo aquilo com que a criança brinca; é aquilo que permite que ela brinque”, resume Patrícia. “Muitas vezes, quando a criança ganha um brinquedo, ela até pode, em um primeiro momento, achar aquilo superdiferente, interessante, colorido, mas, se aquele brinquedo não permite que ela brinque, já que faz tudo sozinho, ela vai perder o interesse porque não pode ser ela mesma naquele brinquedo. Ela só repete aquilo que aquele brinquedo já está pré-programado para fazer. E daí, claro, quando você tem uma caixa de papelão ou um papel colorido, coisas que não têm uma instrução, isso permite que a criança possa liberar a imaginação, a criatividade e brincar”, explica a especialista.

Muitas vezes, a caixa é bem mais interessante do que o brinquedo que está dentro. O mesmo vale para o papel colorido em que o presente vem embrulhado e outros materiais. Quando a criança tem que ‘assistir’ ao brinquedo mais do que brincar com ele, ela acaba perdendo o interesse. (Patrícia Camargo, da Tempojunto) 

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Estimular ou não a brincadeira livre?

Então, será que os pais, professores e cuidadores devem estimular que as crianças usem esses materiais e objetos para as brincadeiras livres? “Nem é preciso estimular a criança para brincar livremente, como ela gosta. O que precisamos é orientar os adultos para que interfiram menos nos brinquedos e nas brincadeiras e permitam que os pequenos exercitem a própria curiosidade e criatividade”, afirma o psiquiatra Bottura. 

Os adultos, no entanto, podem dar uma “mãozinha”, mantendo objetos à mão. “Você não precisa estar ali entregando esses objetos [afinal, deixaria de ser uma brincadeira livre, se você está guiando, não é?], mas pode deixá-los em algum lugar ao qual a criança tenha acesso e liberdade para buscá-los e inventar as brincadeiras na hora em que ela quiser”, sugere Patrícia. Ah, um lembrete: é importante, claro, pensar sempre na segurança da criança e em que objetos e materiais ela pode usar, sem correr riscos, de acordo com a idade.

Dudu e o mundo de papel

E que materiais são esses?

São mais simples e acessíveis do que a gente imagina! Pedimos algumas ideias para Patricia Camargo, que ajudou com uma lista inspiradora:

- Retalhos de tecido

- Lençóis que não servem mais

- Roupas antigas de adultos

- Caixas de papelão

- Rolos de papelão vazios

- Tinta, canetinha, lápis e outros materiais de colorir

- Travesseiros

- Panelas

- Copos de plástico

- Embalagens

- Potes que você pode encaixar, um dentro do outro, tirar a tampa, colocar a tampa

- Os próprios móveis da casa (o espaço embaixo da mesa pode virar uma cabana e algumas cadeiras, cobertas com um lençol, viram uma barraca ou um forte, facilmente)

- Vassouras

- Colheres

- Água

- Galhos, folhas e pedras

- Plástico-bolha

- Papel alumínio

- Esponjas

- E tudo o mais que sua imaginação e, principalmente, a imaginação da criança permitir…

 

Mais livros para estimular a brincadeira livre

A leitura também pode ser uma ótima forma de inspiração para o seu filho passar a ver vários objetos como brinquedos divertidíssimos em potencial. Separamos aqui algumas dicas de livros que exploram esse tema:

1. O homem que amava caixas

O homem que amava caixas

2. O lenço

O lenço, livro infantil

 

3. O jornal

Livro infantil O jornal

 

4. Joca e a caixa

Joca e a caixa

5. Dudu e o plástico bolha

Dudu e o plástico bolha

6. Dudu e a caixa

Dudu e a caixa

 

7. A garrafa

Capa do livro A garrafa, de Patricia Auerbach

 

 

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